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TJMS mantém pacto antenupcial que exclui concorrência sucessória entre cônjuges

Decisão em MS confirma validade de pacto que afasta cônjuge da concorrência em herança
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS confirmou a validade de um pacto antenupcial no qual os cônjuges renunciaram reciprocamente ao direito de concorrer na sucessão em caso de existência de descendentes ou ascendentes. O entendimento é de que a cláusula não representa renúncia à herança em si, o que é vedado pelo art. 426 do Código Civil, mas apenas à concorrência com pais e filhos, preservando a condição de herdeiro universal do cônjuge sobrevivente quando inexistirem descendentes ou ascendentes.
O caso envolveu um pacto firmado em cartório, por meio do qual o casal, ao escolher o regime de separação de bens, incluiu cláusula de renúncia recíproca à sucessão concorrencial. Menos de dois anos após o casamento, o marido faleceu sem deixar filhos, mas com ambos os pais vivos.
Apesar do pacto firmado, a viúva pediu para ingressar no inventário do falecido, argumentando que a cláusula seria nula por configurar renúncia antecipada de direitos hereditários, o que, segundo ela, contraria a legislação civil.
O argumento foi refutado pelo TJMS, sob o entendimento de que não houve renúncia ao direito à herança em abstrato, mas apenas à concorrência, em observância à autonomia da vontade, à boa-fé e ao respeito ao que fora livremente convencionado pelos cônjuges em vida. Ainda conforme a decisão, pactos antenupciais, quando celebrados diante de autoridade notarial competente, constituem instrumento legítimo de autorregulação patrimonial e sucessória no âmbito do casamento.
Autonomia privada
A advogada Silmara Amarilla, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso – que também contou com opinião legal do jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto.
Para a advogada, a decisão figura como um importante precedente no atual estado da arte do Direito Sucessório brasileiro. “Compreender que os nubentes possuem a liberdade para se autodeterminarem e estabelecerem, de forma livre e esclarecida, sua vontade, significa prestigiar, de um lado, a autonomia privada e, de outro, a intervenção mínima do Estado nas relações familiares.”
“Quando duas pessoas, maiores, capazes e esclarecidas, comparecem perante o tabelionato e espontaneamente abdicam do direito concorrencial sucessório, externam o desejo legítimo de diáspora patrimonial que regerá a vida do casal na presença de descendentes e ascendentes, nada havendo de imoral nesse tipo de ajuste. Assim, mediante a concretização da livre manifestação de vontade, enquanto expressão consciente de suas aspirações, desejos, ideias e valores, o pacto vai além da mera divisão patrimonial, assumindo uma dimensão mais ampla, apta a definir acordos promotores da realização pessoal dos envolvidos, suas legítimas expectativas presentes e futuras, tudo lastreado na boa-fé, eticidade e transparência”, comenta.
Renúncia
Silmara Amarilla explica que a abdicação recíproca ao direito concorrencial sucessório, titulado por cônjuges e conviventes, objeto da cláusula cuja validade foi reconhecida, de modo algum se confunde com a contratualização da herança de pessoa viva – essa sim vedada pelo pacto corvina.
“A renúncia em questão concerne exclusivamente ao direito concorrencial do cônjuge sobrevivo – e podemos perfeitamente estabelecer a simetria com os conviventes – no sentido de não participar da sucessão do morto colateralmente a descendentes e ascendentes, mantendo, contudo, sua posição de herdeiro universal na ausência dessas duas classes de parentesco. Limita-se, portanto, ao concurso do sobrevivente enquanto sucessor eventual, não resvalando de modo algum no seu status de herdeiro necessário, por força do qual lhe seria destinada a universalidade da herança na falta das duas primeiras classes da ordem a vocação hereditária (ou seja, na falta de filhos e pais)”, esclarece.
Na visão da advogada, a decisão figura como um marco importante no atual cenário dos planejamentos patrimoniais e sucessórios, guardando sintonia com a melhor interpretação do art. 426, do Código Civil. “Devemos compreender que os juízes não são autômatos e há muito deixaram de desempenhar o limitado papel de bouche de da loi (a boca da lei).” “Faz-se necessário, para que o progresso jurídico se instale, que as fórmulas de outrora, a exemplo da vedação aos pactos sucessórios, sejam revisitadas com os olhos contemporâneos, vivificando-se e oxigenando-se dessa maneira os comandos legislativos. Como Carlos Maximiliano exalta, o Direito vive pela jurisprudência e pela jurisprudência vemos muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação imóvel”, observa.
Segundo Silmara, conferir autonomia aos nubentes para que eles possam, de forma ética e transparente, decidir sobre temas existenciais, patrimoniais e sucessórios, exorta a singularidade das uniões, sejam conjugais ou convivenciais.
“O pacto antenupcial representa o principal instrumento a serviço e à disposição dos nubentes a fim de exercerem a autonomia privada no âmbito das relações familiares. Por seu intermédio podem, portanto, atuarem como legisladores de seus próprios interesses, regulando o estatuto jurídico que lhes regerá doravante, seja do ponto de vista patrimonial, seja do ponto de vista existencial”, avalia
A advogada conclui que a presença de um advogado na elaboração dos pactos e na concepção de suas cláusulas reveste de segurança e previsibilidade as questões abordadas, “sendo igualmente importante o esclarecimento dos nubentes, por intermédio de uma linguagem (conquanto técnica) simples e acessível, sobre as repercussões de cada disposição”.
Confira a íntegra da decisão no Banco de Jurisprudência do IBDFAM. O acesso é exclusivo para associados.
Por Débora Anunciação
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br